A ponta do iceberg

Às vezes precisamos de ajuda de clichês, ou seja, algo sem originalidade e comum, pra explicar um conceito. É por isso que recorri ao clichê de “a ponta do iceberg” para falar de outro clichê que ouvimos por aí: escrever para crianças é fácil, criança não tem senso crítico apurado, criar para crianças é divertido e leve.

Concordo que criar para crianças é divertido, bom, criar é divertido! Mas nem sempre é leve. As pessoas normalmente usam essas expressões depreciativas, na maioria das vezes sem se dar conta, por que acreditam que criar para crianças ou adolescentes, é algo que se faz sem precisar atingir a profundidade ou elaborar de forma complexa, quando na verdade há criações de muitas histórias, de diversos gêneros e para todas as faixas etárias sem profundidade e preguiçosas. Claro, há conteúdos infantis superficiais também, e há aqueles que só parecem “coisa de criança”, mas que na verdade são criações “simples”.

É creditada ao Leonardo da Vinci a frase “A simplicidade é o mais alto grau de sofisticação”, que explica bem o que quero com este texto.

Recentemente foi sucesso de vendas e de menções nas redes socias aqui no Brasil, o livro ” A parte que falta” do autor Shel Silverstein, no Brasil saiu pelo selo Companhia das Letrinhas. O livro é um ótimo exemplo que cabe aqui, até mesmo suas ilustrações são SIMPLES. Com apenas 112 páginas e pouquíssimo texto, é difícil quem fecha o livro sem ser tocado de alguma forma. É um livro altamente sofisticado.

“Só com muito requinte se é capaz de atingir o coração de uma criança

A lista de criações aparentemente “bobas”, porém sofisticadas, para crianças é enorme. E eu arrisco a dizer que só com muito requinte se é capaz de atingir o coração de uma criança. Crianças sentem tudo que sentimos, são seres humanos tão complexos como adultos, porém ainda lhes faltam vocabulário, traquejo social, ferramentas emocionais para lidar com suas frustrações e habilidades de expressão (para muitos adultos, infelizmente também). É por isso que a brincadeira é o trabalho da criança (conceito de Maria Montessori). É através do brincar, da arte e de consumir histórias, que a criança expressa e elabora seus conflitos. Se alguém quer ajudar nessa jornada, seja professor, pedagogo, roteirista, escritor, contator de histórias etc, esse alguém vai precisar saber mergulhar fundo, em si, nas teorias, na ciência e na ética. Criar para criança requer além de conhecimento, também muita responsabilidade. Você pode e deve falar o que quiser para uma criança, jamais deve subestimá-la, silenciá-la e subjugá-la, mas é preciso saber como mostrar. É preciso dar a ela a oportunidade de pensar junto, de elaborar a resposta, e também respeitar a opinião dela.

“O que você vê é só a ponta do iceberg, o que seu inconsciente, e o inconsciente da criança vê, é o oceano inteiro.

Os maiores clássicos infantis estão mergulhados em figuras arquetípicas, teorias filosóficas e psicanalíticas, o que você vê é só a ponta do iceberg, o que seu inconsciente, e o inconsciente da criança vê, é o oceano inteiro. Você mergulha, gosta, se transforma, elabora, recomenda e se pergunta: “como pode né? Uma “historinha” dessa me fazer emocionar?”. A partir de agora me poupe bitch, você já sabe.

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